TODA SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA-Fátima Almeida

TODA SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA



*Fátima Almeida
Assisti, pela Globo News,  uma entrevista com a escritora iraniana Azar Nafisi,  de 54 anos, exilada nos Estados Unidos. Ela é autora de “Lendo Lolita em Teerã” que permaneceu 117 semanas no New York Times, na lista dos mais vendidos, e que foi traduzido para 32 línguas. Ela veio ao Brasil, convidada, neste agosto, para a Feira de Literatura Internacional de Parati. Foi exilada, nos anos oitenta, por se recusar a usar o véu, quando lecionava literatura na Universidade de Teerã. Durante a entrevista, ela falou que o fato do Presidente Lula não intervir na questão da sentença de morte por apedrejamento de Sakineh Mohamadi Ashtiani, é uma forma de intervenção. Não há inocentes neste mundo, disse ela.  


Todos no mundo, focados nos direitos humanos, estão lutando pela vida de Sakineh.


A escritora disse também que existe uma necessidade sensual de saber que une leitores e escritores e que a literatura é uma forma alternativa de olhar o mundo, por isso que tudo muda quando lemos um grande livro.  Isto ela falou na mesa onde Scliar foi mediador.


Naquela entrevista, Azar Nafisi fez críticas ao regime islâmico, a ditadura instalada em seu país, desde o golpe dado pelos Ayatolás, em 1979. Disse que o Irã  foi o primeiro país da Ásia a ter uma constituição, em meados dos sessenta, quando até mulheres assumiram ministérios. Falou ainda da antiga religião, o zoroastrismo, que foi banida pelos Ayatolás, mas que sobrevive ainda, no calendário iraniano, que a exemplo do calendário do Ocidente - demarcado pelas datas santificadas pela Igreja Católica - é datado por deuses e deusas daquela religião primeira.


Aliás, a religião fundada por Zaratustra, há mais de 3.000 mil anos, é a matriz de quase todas as religiões conhecidas, pois nela encontramos: o iluminado que nasceu de uma virgem; que foi tentado por Arimã, o Diabo; que recebeu de Deus Pai, Ahura-Mazda, Senhor da Luz, o livro da sabedoria, o Avesta, para que fosse pregado ao gênero humano; a existência de um anjo da guarda para cada criatura; a idéia de que os espíritos maus é que induzem os homens ao crime e ao pecado; a criação do paraíso por Ahura-Mazda que lá colocou o primeiro casal humano que foi tentado por serpentes; a idéia  do livre-arbítrio e, em especial,  o fato de que Arimã equivale à Mentira Viva e que todos os mentirosos são seus servidores.


 É fácil compreender o desespero da escritora, vendo seu país em mãos de truculentos quando é herdeiro de uma tradição religiosa tão rica e gloriosa, onde a maior das virtudes era a Piedade,  sendo a Regra de Ouro : “não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam”. O dever do homem, diz o Avesta, é tríplice: “fazer do inimigo, amigo; fazer do iníquo, justo; fazer do ignorante, instruído”.


Hoje, no Irã, a sabedoria soçobrou, as jovens são encarceradas por usarem batons e os livros são proibidos. Por último, o regime trouxe de volta um costume de antigas tribos árabes de sentenciar com pena de morte por apedrejamento às mulheres adúlteras, de um contexto de poligamia, quando um árabe podia ter várias mulheres em seu harém.


No Irã, a internet e os celulares são monitorados e censurados pelos agentes do Ayatolás, que pagaram, com dinheiro público, às  empresas, sueca e alemã,  por equipamentos para isso. Mesmo assim, os jovens iranianos, já descobriram um recurso disponível nos próprios aparelhos de celulares para burlar a censura.


Em fevereiro de 2006 o manifesto “Juntos contra o novo totalitarismo” foi assinado por intelectuais exilados na França, que sofreram perseguições por parte do regime islâmico. Segundo o manifesto, depois de ter vencido o nazismo, o fascismo e o stalinismo, o mundo enfrenta agora uma nova ameaça totalitária global: o islamismo. “Não estamos falando em choques de civilizações, mas numa luta global entre democratas e teocratas”. Segundo o manifesto, o islamismo aniquila a igualdade, a liberdade e a laicidade.


A opinião pública em nosso país está dividida, existem aqueles para os quais o presidente Lula não deveria se intrometer em questões como essa, não havendo problema algum em manter relações amistosas e comerciais. Outros que se posicionaram, inclusive, contra a visita de Ahmadinejad em nosso país, saindo às ruas do Rio de Janeiro para protestar.


Eu penso que o regime islâmico do Irã que manda para forca centenas de pessoas por ano, afora o exílio e o cárcere, como é típico de ditaduras, e que lança mão, ainda, de um antigo costume de condenar à morte por apedrejamento às mulheres, por adultério,  deveria voltar à idade da pedra, sem luz elétrica,  aos tempos de maior vigor do patriarcado, do pastoreio de cabras e não pretender enriquecimento de Urânio, coisa altamente contemporânea, científica e tecnológica.


Anos atrás, durante uma aula, um aluno me falou que a ciência é coisa de Satanás. Eu olhei bem para ele e apontei a lâmpada acesa e o ar condicionado ligado, falando em seguir: isso é produto da ciência, por que você está aqui? Volte para a lamparina...


O grande problema do totalitarismo é que ele tem forte apelo em meio às massas subdesenvolvidas, sem instrução.  Afinal, desenvolvimento pressupõe uma equiparação entre as inovações científico-tecnológicas e as mentalidades. Foram as nações democráticas e liberais que inventaram a luz elétrica e o avião. As nações com regimes totalitários, de direita ou de esquerda, só desenvolveram bem a indústria de armamentos. O Irã possui mísseis, por exemplo. Quem tem coragem de viajar em aeronaves de fabricação russa? A cúpula do governo polonês pegou um avião de fabricação russa e morreu num acidente aéreo pavoroso. Como pode o presidente Lula ser amigo de Mahmoud Ahmadinejad? E recebê-lo, em nosso país, com honras?



A popularidade de Getúlio Vargas era invejável. Controlava a imprensa escrita e falada, controlava os sindicatos, fez alianças com integralistas - os fascistas a moda brasileira - e  entregou a judia comunista, Olga Benário, ao regime nazista, para morrer na câmara de gás. O Brasil tinha acordos comerciais com a Alemanha, oficiais recebiam “treinamento” com a oficialidade alemã. Levou um puxão de orelhas do governo norte-americano e logo mandou recrutar jovens pobres do nordeste para vir para a Amazônia fabricar borracha para a indústria americana. E depois, saiu de fininho, colocando um presidente com mandato tampão para que ele retornasse, em toda sua glória, com nova pose, de democrata e liberal. No Brasil, toda semelhança é mera coincidência. 
[*Fátima Almeida, é acreana, historiadora , professora universitária, e articulista de A Gazeta do Acre]
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