Sem rumo, sem direção
Fátima Almeida*
A Agência Globo divulgou há dois dias que o Brasil não aparece com
nenhuma instituição entre as 100 melhores universidades do mundo,
segundo o ranking elaborado pela organização Times Higher Education.
A Universidade de São Paulo aparece em 232ª posição e findou por
representar toda a América Latina. A Universidade de Harvard nos
Estados Unidos é a líder, com pontuação máxima em todos os critérios. O
ranking que foi montado a partir de uma pesquisa para convidados de
mais de 13 mil professores de 131 países reforça a posição dominante das
instituições dos EUA e consagra a boa reputação das universidades do
Reino Unido e Japão.
A Rússia e a China aparecem entre os cinqüenta melhores. Entre
aqueles da 51ª a 100ª posições encontram-se as universidades de países
como Coréia do Sul, Seul, Taiwan e Índia. Países estes que executaram um
amplo programa de educação baseado nas ciências exatas, chegando a
importar, em alguns casos, cientistas de países como Escócia e Holanda,
atingindo por isso um alto crescimento no campo técnico-científico.
Como se sabe o Brasil e toda a América Latina foram colonizados por
países ultra-católicos que estavam em campanha contra protestantes,
judeus, ciganos e hereges em geral, constituindo um verdadeiro exército
de missionários, os jesuítas, voltados para a catequese, ficando a seu
cargo o ensino no Brasil, por trezentos anos, de acordo com a pedagogia
tradicional, baseada por sua vez na repetição e na memorização enquanto
método e conservadora quanto aos conteúdos para impedir que os ventos
da ciência moderna chegassem aqui com a observação, a experimentação, o
método analítico, gerando uma sociedade relativamente atrasada e ainda,
obediente e passiva quanto à autoridade real.
Manter as comunidades sob a autoridade de Deus e, por conseguinte, de
seus representantes na terra, as autoridades eclesiásticas e os
monarcas ungidos sempre foi um firme propósito da Igreja Católica, em
sua perspectiva de universalismo cristão. A ruptura com esse estado de
coisas ocorreu na França revolucionária e demais países rompidos com a
igreja romana, tais como Reino Unido e Estados Unidos da América.
É muito importante que as pessoas compreendam essa vinculação entre a
educação enquanto sistema de ensino, o modo como são ordenados os
conteúdos e determinados os métodos de ensino e avaliação e os
mecanismos de constituição do Poder. Esse é o calcanhar de Aquiles da
sociedade brasileira como um todo, pois, ao se orgulhar do crescimento
econômico não pode esconder suas agudas contradições, em especial a
profunda desigualdade social que é produto também da má formação
intelectual das camadas médias e baixas.
Todos os anos milhares de jovens se empenham em conseguir vagas nas
Universidades públicas como se elas fossem senhoras aristocratas, sem
atinar para as diferenças existentes entre elas precisamente porque são
constituí-das nas e pelas sociedades onde estão inseridas refletindo ou
reproduzindo seus avanços e retrocessos, seus vícios e virtudes.
Os universitários de hoje em dia não conseguem mais fomentar a
mobilização nem os debates nas universidades públicas, estão como que
imobilizados como todos os demais setores pelo excesso de individualismo
que aportou no Acre, para ficar para sempre, devido ao empreguis-mo na
máquina pública, coibindo ou inibindo formas de luta baseadas no
coletivo pelo coletivo.
Isso me parece muito ruim porque o movimento estudantil já foi
propulsor de mudanças importantes na sociedade brasileira. Para a minha
geração ir para a Universidade tinha o significado de participação e
envolvimento com a luta política pela redemocratização e conquistas
importantes que, aliás, culminaram com a constituição de 88. Hoje em dia
busca-se tão somente um diploma e um emprego, não interessando por
quais vias. Cada um por si.
Já ouvimos e até reproduzimos elogios à Zona Franca de Manaus pelo
fato de que o emprego na indústria de eletrônicos reduz ou elimina a
pressão sobre as florestas, não ocorrendo desmatamento de forma
acelerada e gravíssima como ocorre aqui, tanto que o inverno mal
terminou e já podemos ver as carretas carregadas de pesadas toras,
cruzando a 364, vindas da floresta estadual do Antimari.
Ocorre que na Zona Franca fabrica-se muito lixo, em última instância,
pois os artefatos eletrônicos têm vida curta e seu destino é o lixão.
Não há produção de conhecimento, os operários apenas montam e ajustam as
peças. Mesmo assim, é inegável que a Universidade do Amazonas, em
parceria com o INPA, ultrapassou a do Acre em matéria de pesquisa sobre
potenciais regionais para processamento de forma equilibrada ou
sustentável gerando emprego e renda.
Em todos os segmentos da indústria brasileira, mesmo o de aviões e o
de navios, em que pese existir mão-de-obra barata e abundantes
matérias-primas, as tecno-logias sempre são importadas. O que explica o
fato de que a Universidade brasileira figure entre as últimas.
Não se conhece os critérios do tal ranking, mas, com certeza se
referem à capacidade técnico-científica, essa que foi inaugurada na era
moderna e nunca mais parou de fabricar artefatos, eletrônicos,
geringonças de todo tipo para tornar a vida mais confortável, em
prejuízo dos ecossistemas no mundo inteiro começando com a destruição
dos bosques de cedros do Líbano, das matas de Portugal e Espanha, e com
a destruição da floresta atlântica no Brasil em razão da extração de
corante vermelho das árvores de Pau-Brasil para a indústria têxtil e
européia, só para nomear os exemplos mais notórios.
O que parece confortável tipo lâmpadas, isopor, plásticos e tudo o
mais que é descartável e não biodegradável é produto desse empenho
técnico-científico das potências. Portanto, essa má colocação no ranking
não deve ser problema nem nos preocupar e sim a demora ou as
dificuldades que a Universidade brasileira tem para apresentar um modelo
alternativo de pesquisa científica que enfatize a sustentabilidade,
permeando todos os campos do saber e enfocando os diversos biomas. Mas
ela ainda não sabe o que fazer nem como fazer. E isso é muito pior do
que não aparecer entre os melhores no ranking.
[* Acreana, Historiadora, Professora Universitária, Escritora e Articulista da Gazeta do Acre]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Editoria-Literacia