BRASIL DESCOBRE A AMÉRICA E ÁFRICA*
Era uma vez vários países da
América Latina que viviam de costas para
o Brasil.
Claro, às vezes se encostavam, mas
para fazer guerra e disputar fronteiras. No mais, se ignoravam.
Penso nisto ao voltar de uma
conferência que fiz, no Itaramaty/Rio, no VIII Curso para Diplomatas
Sul-Americanos. Estavam ali até representantes da Guianas. Isto é uma invenção
do embaixador Jerônimo Moscardo presidente da Fundação Alexandre de Gusmão.
Aquele mesmo que, enquanto ministro da cultura do governo Itamar, bateu de
frente com Fernando Henrique dizendo que o país tinha que deixar de ser um país
de fenícios
( que só pensam na economia), e ser um país de
atenienses (voltados para a cultura como fonte mais permanente de riqueza).
Os brasileiros- tanto os que
gostam de fazer compras quanto os intelectuais- sempre viveram no chamado
circuito "Elizabeth Arden": Paris, Londres, Nova York. Os
intelectuais, salvo raríssimas exceções, querem ser escritores europeus e
americanos e tentam de todas as formas disfarçar a mulatice de suas almas.
Não é por aí. Vivo dizendo que
nossa "saída" é pela América Latina. E para sair é preciso primeiro
entrar. Pois olha o que está fazendo o embaixador Jerônimo: está trazendo, há
vários anos, dezenas de embaixadores latino-americanos para seminários sobre o
Brasil, dando-lhes chance de conhecer tanto as usinas de Itaipu e Angra,quanto
a Embrapa, o Rio e a Bahia. Resultado: voltam aos seus países transformados.
Alguns desses embaixadores serão futuramente ministros e até presidentes da
república de seus países. É um formidável investimento.
Países como Israel, Alemanha,
França e Estados Unidos têm políticas de estado para a sua cultura, embora
alguns nem tenham ministério da cultura.
O Brasil, finalmente, está deixando de ser provinciano e assumindo-se
internacionalmente. Por exemplo, tirante o esforço meio heróico de José
Aparecido, nunca tivemos um projeto cultural para os países de fala portuguesa
na África e Ásia. Enquanto presidente da Biblioteca Nacional, combatendo essa
visão estreita, mandei livros para as bibliotecas de Moçambique e Angola, além de desenvolver projetos conjuntos com os
arquivos e bibliotecas dos outros sete países de fala portuguesa. E mais: tinha
um projeto de modificar a Lei de
Depósito Legal que exige que cada editora no Brasil mande um livro para a
Biblioteca Nacional. A idéia era exigir das editoras que mandem 8 exemplares de cada livro aqui editado. Isto
não é nada, pois as editoras gastam 200 exemplares na divulgação de cada obra.
Assim faríamos chegar à Angola,
Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e
Portugal, a cada ano, em cada um desses países uma biblioteca de 30 mil
volumes. Já pensaram no que isto
significaria em termos de divulgação de nossa cultura, sobretudo
naqueles países que tiveram as bibliotecas destruídas por dezenas de anos de guerra?
Pois o embaixador Jerônimo acaba
de me dizer que já está formatado o projeto de lei que deve ir ao Congresso
Nacional e depois ser sancionado pelo presidente da república, instituindo essa
modificação na lei do depósito legal de livros aqui editados.
Mas a coisa não fica só nisto. Ao final da conferência
para os embaixadores latino-americanos, fui informado de que o Itamaraty
através da Fundação Alexandre Gusmão vai realizar já em julho o primeiro curso
para embaixadores africanos. E não só embaixadores dos países de língua
portuguesa, mas todos os demais daquele continente.
Era uma vez um país que achava que
a África era longe e podia ficar esquecida no passado.
Redescoberta a América, vamos
redescobrir a África.
E assim redescobrir o Brasil.
*Affonso Romano de Sant'Anna
É um bom exemplo conhecer iniciativa como a do Prof. Affonso Romano, enquanto Presidente da Biblioteca Nacional. Mais ainda, agora, quando apresenta o Brasil e sua riqueza cultural a diplomatas sul-americanos, em conferência patrocinada pelo Itamarati. Penso que o resgate do orgulho da nossa mulatice e do nosso jeito de criar cultura deve primeiro passar pela África, para em seguida chegar à América branca e à Europa. Daladier Carlos
ResponderExcluiraffonso romano, seu pensamento aberto e lúcido, sua grande capacidade literária, sua sensibilidade poética, seu compromisso com o país e com as questões brasileiras, sua habilidade política - tudo para ser o nosso ministro da cultura! e por que não???
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