segunda-feira, 19 de julho de 2010


Você sabia que a América Latina América Latina está se afastando da África 7 cm por ano?
         Quer dizer, se você tem 30 anos, em sua vida esses continentes se afastaram uns 2 metros. Parece nada. Mas é mais fantástico se pensarmos que há 225 milhões de anos éramos um só continente- a Pangéia.
         Não estou inventando isto. Isto não é literatura fantástica, tipo José Saramago que em “A jangada de pedra” inventou que a Península Ibérica se desgarrou da Europa e saiu navegando em direção à América. Acho que ele estava fazendo uma metáfora sobre o lugar da Espanha e Portugal na cultura contemporânea. Parece que ele errou. Aqueles países estão mais integrados que nunca na Europa. Mas nem por isto o romance deixa de ser instigante.
         E, nesta semana, eu estava falando dessas coisas simbólicas para 29 diplomatas africanos num curso que o Itamaraty resolveu criar para reaproximar a África do Brasil. A gente não pode deixar nossa vida à mercê das placas tectônicas que se movem no subsolo da terra e da história.
         Em geral o Brasil nunca se preocupou com a África. Era uma espécie de mãe ou irmã longínqua. África era um assunto de baianos, a Bahia era uma nação africana dentro do Brasil, e basta. Mas as coisas estão mudando.   O atual presidente está sendo acusado de ter ido à África 24 vezes. Preferiam que ele fosse à Nova York e Paris. E a Fundação Alexandre de Gusmão, presidida pelo embaixador e ex-ministro da cultura Jerônimo Moscardo, resolveu batalhar para que o afastamento dos nossos continentes não ocorra mais.
         Há uma coisa curiosa acontecendo: o Brasil está ao mesmo tempo redescobrindo a America Latina e a África. Já não é sem tempo. E, de repente, me vejo ali naqueles amplos salões do Palácio Itamaraty, aqueles corredores, aquele lago onde ainda nadejam cisnes, de repente, me vejo ali, diante de 29 embaixadores africanos. Mas não são mais apenas os lusófonos. Ali estão representantes da África mediterrânea e da África Subsaariana, que durante até o fim deste mês de julho estão tomando um banho de Brasil. Dezenas de conferencistas e viagens a pontos estratégicos e turísticos do país modificarão certamente a visão que tinham do Brasil.
         Vou lhes dizer uma coisa: o continente que tem o maior deserto do mundo está sedento de Brasil. Querem que uma jangada de pedra “saia daqui na direção deles. Se eles têm, com razão, dificuldade em lidar com seus antigos exploradores europeus, com aqueles que esquartejaram o continente como uma presa abatida na caça, isto não ocorre em relação ao Brasil. Andei fazendo uma série de sugestões, expondo projetos para aqueles diplomatas. Em tempos de Copa, diria que a bola está na marca do pênalti, é só chutar em gol. Se o Brasil bobear, a China acaba tomando conta da África inteira e sai na frente neste outro tipo de campeonato.
         Uma literatura emergente e vigorosa está surgindo nos países de língua portuguesa na África e o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes é o grande consumidor deste produto. Mas há outra emergente vigorosa literatura africana nos demais países. Nesta semana o “Novel Observateur” fez uma reportagem sobre a nova saga de autores de Ruanda, Congo e Somália. Por outro lado, a literatura brasileira está madura para ser exportada.
         E aqui um desafio paradoxal: os colonizadores da África e Brasil, durante três séculos, ficavam num vai-e-vem, negociando freneticamente, levando e trazendo escravos e produtos, num tempo em que os navios levavam meses para a travessia e não havia televisão, cinema, nem internet. Por que nós que nos vangloriamos de ser independentes e criativos não podemos fazer melhor que eles?
Ou será que continuamos com nossas mentes colonizadas encantados com o que o chamado “circuito Elizabeth Arden” que, senhorilmente, se rejubila apenas com Paris, Nova York e Londres?
Affonso Romano de Sant’Anna
Retornar...

2 comentários:

  1. Brilhante constatação, Affonso. Bom sabermos que, além da diplomacia para com a nação irmã, pôde compartilhar com os diplomatas o desenvolvimento da literatura em seu país.

    ResponderExcluir
  2. Affonso sempre prima pela coerência.
    Bjs
    Belvedere

    ResponderExcluir

Editoria-Literacia