Não seja imparcial, seja honesto
*Marcos Afonso
Comandante Elson Martins mandou-me agora
sentar praça na cavalaria do jornalismo cultural e já foi passando a
Ordem do Dia, prontamente aceita por este soldado.
Fernanda, a simpática filha do Escócio,
amarrou sua canoa e subiu os barrancos da Biblioteca da Floresta em
busca de palestrante para a disciplina de Redação Jornalística, pilotada
pela professora Juliana Losego, lá no “Campus Espacial” (o da velha
canção do Beto Brasiliense).
Compadre Elson, elegante adversário das
falas, imediatamente me telefonou: “Olha, o jornalista cultural é você,
socorra as meninas!”. Ponto final. Ordem dada.
Estou pronto.
Para tanto, empunhei uma “foto-palestra”
carregada com dezenas de slides e algumas músicas para arrematar – bem
exagerado, bom poder de fogo – e talvez essa semana já possa ir ao
Campus de batalha. Estou mais entrosado com o teatro de operações, tendo
em vista que já dei essa palestra ano passado no mesmo curso de
Comunicação da UFAC, na turma da Veriana, filha do Toinho (estamos mesmo
ficando velhos!!).
Mas, vamos ao sério.
Irei começar pelo óbvio ululante: para
ser jornalista deve-se ter adquirido – de preferência na tenra idade – a
mania de escrever. Materializar os fatos na linguagem, na descrição e
no registro. Isso vem de longe, mas ganhou força no Renascentismo,
quando começamos a escanear com os olhos e escrever as novas
luminosidades que fluíam pela humanidade – ao menos nas cabeças mais
afeitas à combustão – com novas tecnologias e ampliação da divulgação
dos conhecimentos.
Todos nós somos um livro aberto e quando
escrevemos, temos uma posição socratiniana: mostramos o que conhecemos
de nós mesmos e como vemos o mundo e a “notícia factual”, na expressão
de Mino Carta. Parafraseando o pensador francês Jean Juarès, “não se
escreve o que se sabe, mas também e, sobretudo, o que se é”.
E é aqui que vem a gênese da Ética.
Como tratar, no ato de escrever, as
invejas, os individualismos e as vaidades? Como assegurar nossa
identidade – sem as máscaras – e resistir aos Ctrl C e Ctrl V do oráculo
Google? O que fazer quando se deve diferenciar mito de evidência? Tudo,
para que não nos transformemos em estáticos muros ou não nos percamos
em desertos?
Hoje, mesmo com a bagunça climática,
devemos ver o mundo com suas diversas estações, porque entre o verão e o
outono milhões de paisagens acontecem. Especialmente agora com a
Internet.
Em um curtíssimo espaço histórico (50,
70 anos não são nada) saímos da linotipo e da Corona para a longa
estrada da internet. O próprio substantivo Navegação toma outros
sentidos. Uma garota na praia pode mandar uma foto do notebook para o
twiter do namorado que está lá no alto, em seu parapente, enquanto um
avião é visto além das montanhas que encobrem um céu lotado de satélites
e na linha azul do horizonte, um preguiçoso cargueiro faz a sua rota no
mar…
É muita evolução. Muita máquina. Pouca
paixão, muito dinheiro. Rápidas construções de ícones (como se eles não
envelhecessem), farto fundamentalismo, futilidades, entretenimento
vulgar e pseudo-cultura. O Fradim do Henfil deve estar mandando “Top!
Top! Tops” celestiais para a balbúrdia… risos …
Então. Como fazer a soma compromisso + preservação + promoção da ética nessas manipuladas realidades?
Primeiro: não cair no desespero. Lembro
bem do nosso Chico Pop que, com descontração, arte e muita criação,
registrou e inflamou o traço cultural acreano em plena ditadura militar.
O Chico Pop “vivia” as fontes, ele “era” a fonte. Hoje, por exemplo:
qual jornalista pegou um ônibus de linha (carro da redação não vale)
para Xapuri, parou no Entroncamento, fez frete numa Toyota ou regateou
com um motoqueiro para ir até o Seringal Cachoeira entrevistar a família
da Dona Cecília Mendes que cuida do programa Arca da Leitura em plena
floresta, distribuindo Machado de Assis, Drummond, Monteiro Lobato e até
Shakespeare às crianças? (não copiem, já estou preparando a matéria…
olhem lá!).
Seringal Cachoeira, Xapuri:
da família de Dona Cecília,da família de Dona Cecília (tia do Chico Mendes)distribui Machado de Assis e Shakespeare às crianças, no programa Arca das Letras…
Segundo: deve-se estudar, se informar
com a filtragem necessária, ter autonomia, participar de congressos,
encontros e ler, ler, ler… (e se você não achar que é muita besteira,
tente aprender a tocar um instrumento). E alimente sempre a capacidade
de se admirar com as coisas, com o mundo e com as pessoas (para que
Platão – contentemente emocionado – se debulhe em lágrimas, como
escreve minha querida colunista Roberta Lima!)…
Contudo e por fim, o futuro do
jornalismo é chateadamente incerto (especialmente o impresso). Acabará o
jornal? SIM! Mas continuará de outra forma, como o teatro, que se
adaptou frente ao cinema e à TV. De certa forma, parece que o jornalismo
está atônito. Tudo pode e deve mudar, melhor: se transformar.
Acabo de participar do II Congresso de
Jornalismo Cultural realizado na PUC de São Paulo, promovido pela
revista Cult. Digo sem arrogância e desilusão: a única palavra que me
vem à mente quando comparo este congresso ao do ano passado é:
REPETIÇÃO.
Estamos repetindo, repetindo, porque
procuramos saídas. E isso é bom. Em algum momento, um conjunto, um
acúmulo de análises e experiências, apresentará o início de outro
processo.
Quando? Quem se arrisca?
Mas nem tudo está perdido ou achado.
Mesmo no nevoeiro, “tempestades, raios e
trovões” (na pena de Castro Alves), não devemos esquecer o sentimento
maior de todas as existências: preservar e promover a Ética.
E aí me vem novamente outra síntese
genial, daquelas que servem para calar as bobagens de jornalismo
“isento”, “eqüidistante”, etecétera e tal: – “No jornalismo não há
imparcialidade, há honestidade”, tinia nas teclas o francês Éduard
Bailby.
E o melhor da coisa: lembrar sempre o velho Platão e seu Mito.
O fundo da Caverna pode estar na sua sala.
*Professor, Escritor e Jornalista Acreano [ in Varal de Idéias]
Muito bom o blog. Parabéns!
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